SOLIDARIEDADE: Destaque na comunidade em 2020, Movimento Água no Feijão encerra projeto com 50 mil marmitas entregues

“Eu trabalho alimentando pessoas – é minha profissão como cozinheira. É extremamente doloroso e impensável testemunhar alguém com fome ao meu alcance. O Movimento Água no Feijão possibilitou alcançarmos e ajudarmos mais pessoas e envolvermos tantas outras nessa missão de combate à fome”. A frase é da chef Telma Shiraishi, que comanda o Restaurante Aizomê – no Jardins e na Japan House São Paulo – e idealizadora do Movimento Água no Feijão (MANF). Criado para levar alimento e cuidado às pessoas em situação de vulnerabilidade no início da pandemia, o projeto foi realizado em parceria com a JCI Brasil-Japão, Abeuni, Abjica, Comissão de Jovens do Bunkyo, Aliança Cultural Brasil-Japão, KIF Brasil e Asebex.
Desde que foi posto em prática, no dia 8 de maio, a meta era fornecer 200 refeições durante 30 dias ininterruptamente, de segunda a domingo, totalizando 6 mil marmitas entregues até o dia 6 de junho para os moradores da comunidade Heliópolis, que conta atualmente com cerca de 200 mil habitantes segundo a Unas (União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região).
Era, porque o projeto deu tão certo que foram 8 meses de trabalho e quase 50 mil marmitas entregues. E o encerramento oficial de suas atividades, nesta quarta-feira (23) – marcado por uma ação solidária que distribuiu kits para as famílias e brinquedos para as crianças na quadra da escola de samba Imperador do Ipiranga – não poderia ter sido em uma data mais apropriada, uma antevéspera de Natal e cercada de simbolismos.
No sábado (19), como parte da campanha solidária, foram entregues cestas natalinas para os voluntários da escola de samba Imperador do Ipiranga e da cozinha comunitária. O recém-chegado cônsul para Assuntos Políticos e Gerais, Hiroyuki Ide também participou da ação.
Engajamento – “Precisamos colocar as metas e nos organizar sempre com o peso da responsabilidade que assumimos, seja com a comunidade, seja com tantos que nos têm apoiado esses meses todos. Com a mudança do ano tivemos que tomar a difícil decisão de por um termo ao projeto como realizado até então”, explica a chef Telma Shiraishi, lembrando que “o Movimento Água no Feijão é a união de diversas entidades e instituições independentes, mas não tem organização instituída”.
“Por isso encerraremos as atividades como assumidas em 2020 com o término do ano”, disse a chef em entrevista ao Jornal Nippak.
Segundo ela, graças ao apoio dos patrocinadores, apoiadores e pessoas físicas, o grupo conseguiu alcançar a meta de arrecadação necessária para garantir o fornecimento de marmitas até o final de 2020.
“Foi surpreendente como o projeto cresceu rápido e conquistou tanto engajamento em tão pouco tempo. Mesmo agora nós nos surpreendemos com o alcance e a mobilização, pois o esperado seria perdermos impacto junto aos apoiadores ou a força do voluntariado que se desgasta com o passar do tempo. Mas o movimento só cresceu e conquistou cada vez mais parceiros de peso e muitas pessoas que nos ajudaram a manter o trabalho de vento em popa”, diz a chef, acrescentando que “começamos timidamente pois não tínhamos ideia, no início, da extensão da pandemia e do quanto conseguiríamos em termos de sustentabilidade”.

Empoderamento – Com o apoio de 60 voluntários, o objetivo de beneficiar pessoas que lutam diariamente contra a fome tinha pressa. “Só sabíamos que tínhamos que agir – e rápido”, lembra Telma. Enquanto esteve fechado ao público, as marmitas solidárias – centenas por dia, 7 dias por semana, durante 5 meses – foram feitas na cozinha do restaurante da Japan House.
Nos primeiros dois meses do projeto (maio a junho), foram distribuídas 12 mil refeições e entre julho a setembro foram entregues mais 13 mil totalizando 25 mil marmitas entregues para a comunidade de Heliópolis, com o fundamental apoio da escola de samba Imperador do Ipiranga.
“Com a perspectiva de retorno das atividades do restaurante, buscamos outra solução, e tudo se encaixou perfeitamente: a produção das refeições passou para a cooperativa de cozinheiras da própria comunidade assistida, gerando trabalho e oportunidades. Foi extremamente gratificante evoluir o projeto, de uma ação emergencial assistencialista para um movimento de empoderamento da própria comunidade de destino”, disse Telma.
Entusiasmo – Desde outubro foram 7.280 refeições mensais preparadas por cozinheiras da própria comunidade Heliópolis na cozinha comunitária instalada no Centro Educacional Mater Et Magistra. Tudo sob a supervisão da chef Telma Shiraishi..
Nomeada em 2019 “Embaixadora da Boa Vontade da Difusão da Culinária Japonesa” pelo Ministério da Pesca Agricultura, Silvicultura e Pesca do Japão, Telma Shiraishi conta que, “com certeza, um dos fatores do grande sucesso de nosso movimento foi a articulação de tantas competências em várias esferas diferentes: pessoas físicas, jurídicas, entidades e instituições”.
“E tantos elos da cadeia unidos pela mesma causa: produtores, fornecedores, cozinheiros, administradores, articuladores, comunicadores, membros da comunidade… E eu fico particularmente orgulhosa ao ver tantos jovens engajados, contribuindo com dinamismo e novas formas de trabalho e de interação. Confesso que eu aprendo muito com eles e também rejuveneço com sua energia e entusiasmo”, destaca.

Impactos – Um desses parceiros foi a JCI Brasil-Japão. “Em março, com a pandemia e a quarentena, as perspectivas pareciam ruins para o voluntariado, mas constatamos que é em momentos como esse, mais do que nunca, que ele faz sentido e devemos pensar mais nos outros do que em nós mesmos. A JCI começou a capacitar intensivamente seus membros em todo Brasil para a adaptação. Em São Paulo, tivemos a honra de sermos convidados pela Telma Shiraishi para intensificar uma prática na qual ela já estava envolvida: combater a fome”, lembra Ricardo Kakeshita, coordenador geral do MANF e vice-presidente da JCI Brasil-Japão.
Na Convenção Nacional 2020, o Movimento Água no Feijão recebeu da JCI Brasil o Prêmio de Melhor Projeto de Desenvolvimento Econômico. “Atualmente é difícil descrever todos os impactos deste projeto, desde o acesso à alimentação de qualidade, a ajuda de custo para as cozinheiras da comunidade, o incentivo aos pequenos produtores e empreendedores, os doadores que se emocionaram com a causa, e até o desenvolvimento pessoal e profissional de cada voluntário”, afirma Kakeshita, acrescentando que “ver esse resultado é tão satisfatório que não hesitamos em doar nosso tempo pela causa que acreditamos”. “Sou eternamente grato a todos com quem me relacionei por essa causa pois certamente tirei pelo menos uma lição ao longo do caminho”, resume o coordenador.
Para Telma, mesmo nessa reta final, o movimento ainda conseguiu, “com muito orgulho, multiplicar a ação de fornecimento de marmitas solidárias, somando forças com outras ações parceiras como a Gastromotiva do David Hertz; o Quebrada Alimentada do chef Rodrigo Oliveira do restaurante Mocotó e sua esposa Adriana Salay – uma das grandes estudiosas da fome no Brasil; o Mesa Solidária do chef banqueteiro Viko Tangoda; além do apoio aos estudantes do projeto Gastronomia Periférica do chef Edson Leite”.
Rede de solidariedade – “E isso só reforçou a vocação do Movimento Água no Feijão como articuladora de competências, como centralizadora de recursos e de captação de alimentos. Em 2021 esperamos então continuar apoiando e distribuindo recursos para projetos de combate à fome, somando cada vez mais forças e multiplicando as frentes de atuação, ajudando onde for necessário com alimentos e capacidades”, destaca Telma, que considera que o grande legado do movimento em 2020 é a força da união.
“Foi incrível essa grande rede de solidariedade iniciada no auge do isolamento. Apesar do distanciamento e das dificuldades provocadas pela pandemia, nunca estivemos tão conectados pelo coração e por um propósito que nos leva além de nossas limitações e próprios desafios. Com a união somamos forças e multiplicamos resultados”, finaliza a chef, que viu o projeto ser alvo de elogios do governo japonês por intermédio de declarações do embaixador Akira Yamada.