ERIKA TAMURA: Ser imigrante
Alguém já parou para pensar o que é ser imigrante?
Estamos bem no meio das comemorações dos 110 anos da imigração japonesa no Brasil. Mas será que o verdadeiro significado de imigração, tem feito sentido nesses últimos anos?
Acho que tem que ser comemorado sim. Afinal, a imigração japonesa faz parte da história do Brasil. De certa forma, sinto-me inclusa no contexto, pois sou descendentes de japoneses, e há 20 anos moro no Japão.
Sim, faz muito tempo que estou fora do Brasil, e aí as pessoas me falam: “Ah então você é praticamente japonesa!”. Engano seu! Sou brasileira, tenho orgulho de ser, e as vezes me pego pensando filosoficamente, sobre a minha missão. Não nasci com essa cara de japonesa a toa, e também não é a toa que sou brasileira…
Acho que meu propósito foi entender, e passar isso para os meus filhos, de que somos cidadãos do mundo. Uma vez imigrante, a cabeça é outra. A forma de pensar se expande, e as barreiras culturais passam a fazer parte do nosso dia a dia.
Não pensem vocês que, por viver 20 anos no Japão, não passo por alguns conflitos culturais, sociais e ultimamente burocráticos. Digo isso, porque me aconteceu um fato, específico, nessas últimas semanas e que me deixou muito triste. Aliás me deixou indignada, para ser mais exata. Fui a prefeitura para registrar o carimbo do meu sobrenome (aqui no Japão, não se usa assinaturas, e sim carimbo com o sobrenome, registrado na prefeitura, é com ele que abrimos conta em bancos, assinamos contratos, compramos carros e bens, enfim, tudo que se exige assinatura), enfim, chegando na prefeitura, descobri que não posso registrar o meu carimbo em “kanji”, o meu sobrenome “Tamura” tem que ser escrito em letra romana. Como assim? Quer dizer que, só porque nasci no Brasil eu não posso usar o “Tamura” em kanji? Eles falaram que não.
Me senti muito mal, porque, o meu avô é japonês, sobrenome Tamura, comprovado com documentos. E outra, porque eu só nasci no Brasil, o sangue que corre em minhas veias é japonês e não tem nenhuma mistura!
O que me deixa mais indignada é que recebi um convite do Gaimusho (Ministério das Relações Exteriores do Japão), para participar de um seminário onde o governo japonês tem interesse em identificar os líderes nikkeis residentes mundo a fora, inclusive no Japão, que é o meu caso. Esses líderes terão como função principal, difundir a cultura japonesa pelo mundo. Uma iniciativa para que a tradição japonesa não se perca entre os nikkeis.
Ok! Achei a iniciativa linda, tanto é que tenho várias ideias para apresentar. Mas como posso entender que o mesmo governo japonês complica a vida dos estrangeiros que vivem no Japão, principalmente no fator burocrático? Me parece uma situação controversa, onde um setor do governo me fala: “Você como descendente de japoneses, vai liderar um grupo para difundir a cultura nipônica”, e o outro setor do governo me fala: “Você não tem o direito de usar o seu sobrenome Tamura, escrito em kanji, se quiser, terá que ser usado somente em letra romana”…
Mas calma lá, Erika, me falaram que isso é besteira. Não acho besteira não. Pois sempre carreguei no peito o orgulho de ser neta de japoneses, mesmo no Brasil, nunca deixei de enfatizar a origem da minha família, mesmo porque está na cara, não tem como negar. Nunca admiti que ninguém, em hipótese alguma fizesse quaisquer tipos de comentários negativos sobre o Japão. Fiz questão que meus filhos tivessem criação japonesa, para que valorizassem a cultura local, e ao mesmo tempo, não perdessem a essência de serem brasileiros. Tomei todo esse cuidado, para um dia escutar que não posso usar meu sobrenome escrito em japonês?
Desilusão total…
Mas enfim, vou para o seminário no Gaimusho, me entregando 100%, com em tudo que faço. E não espero reconhecimento nenhum, apenas gostaria que meus filhos não sentissem na pele o que senti quando ouvi na prefeitura o “não” para o meu carimbo.
Entendo que de certa forma, meus filhos já sentem isso na pele, só não demonstram em palavras, pois apesar de serem fluentes em japonês, terem em sua personalidade a cultura japonesa, e mais ainda: têm a aparência de japoneses, eles não têm direito ao mesmo visto que eu, por serem yonsei.
Mas tudo bem, já aprendi e ensinei a eles que essas barreiras se quebram com muito estudo e educação, somente assim.
Na minha concepção, ser imigrante é isso, uma mistura de felicidade, com desilusão, com esperança e muita experiência de vida!